Ao entrarmos, um homem negro vestido de preto, tão surpreso quanto a mulher do guichê, mostrou-se logo prestativo: “se alguém mexer com vocês, me chamem que eu resolvo a situação rapidinho”. Seu gesto até poderia demonstrar atenção conosco, mas era visível que ele estava preocupado mesmo em evitar qualquer situação que pudesse levar ao envolvimento da polícia.
Sentadas, quietas, atentas. Ouvimos, além dos gemidos dos atores, o arfar discreto e constante de alguns espectadores. A maioria do público é composta por homens entre seus 40 e 50 anos, além de michês. Um deles, com um leque verde-escuro nas mãos, balançava graciosamente o adereço de forma convidativa.
Quando nos sentamos próximas ao corredor, um dos espectadores se aproximou de nós e murmurou um “olá” sedutor; aparentava ser alto e corpulento, tinha um ar intimidador que dava medo. Logo após a monossilábica frase, ele seguiu em frente e sentou-se atrás de nós: pernas abertas, corpo esparramado pela cadeira, um olhar focado que parecia estar em tudo, menos na tela.
Ao sair da sala, pudemos ver dois banheiros: um quebrado, outro aberto, ambos masculinos. As portas de cada boxe eram de madeira avermelhada e muito pequenas, qualquer movimento privado ali poderia ser publicamente visto. Não havia tampa nos vasos, mas em compensação, bolor e ferrugem eram presença intensa em cada sanitário. Com registros de descarga carcomidos pela idade e gotejando água, a única pia onde era possível lavar as mãos estava imunda. Sobre os azulejos brancos e (nem todos bem colados), estava um mictório grande de ferro, além de anúncios de michê espalhados em todo lugar. E, bem no meio do teto, uma breve frase conseguiu condensar bem toda a aura do local com meras três palavras: quero sua cueca.
Conhecendo os fundos, entramos em um corredor estreito que dava para uma ante-sala diferente. Nela, havia várias cabines nas quais seu interior podia ser visto pelas pequenas janelas ao lado de cada porta. Cada cabine apresentava um quarto com paredes e teto pretos, a iluminação era amarela e fraca, uma fila de homens se endireitava na ante-sala aguardando sua vez. Por dentro, era possível ver dois homens em cada cômodo, mas apesar da discreta movimentação, dava para perceber que algo mais acontecia ali.
Quem vê hoje o CineArt Palácio, não imagina seu grandioso passado. A construção de paredes em formato de parábola, piso e forro estrategicamente calculados permitiam a melhor disposição do som: este foi o primeiro cinema construido segundo as normas da arquitetura moderna por Rino Lévi, um dos maiores ícones da arquitetura brasileira.
A partir de novembro de 1939 o cinema recebe novo batismo passando a se chamar Art Palácio, inspirado em uma antiga distribuidora européia denominada Art-Filmes.
Hoje, o CineArt Palácio parece estar em seu ponto máximo de decadência. Ao entrarmos, sentimos um ambiente pesado, formado por um público que não parece satisfeito nem consigo mesmo, que se despoja de suas máscaras sociais e que tenta descarregar suas angústias da forma mais animalesca que o homem pode encontrar.
#tensomuitotensoextremamentetenso