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Onde quem faz frequenta

A história da HQ Mix, a livraria que virou ponto de encontro de artistas

Ao primeiro passo, um som anuncia a entrada do cliente. Camisetas coloridas desarrumadas em cabides desordenados, pufes laranjas e roxos espalhados pelo chão, esculturas de barro e de porcelana, bonequinhos de herois apoiados sobre livros dos mais variados tamanhos e temas. Esta é a HQ Mix, livraria especializada em quadrinhos que há mais de dois anos é ponto de referência para artistas, jovens, adultos e curiosos.

Localizado no coração da Praça Roosevelt, quem vê o pequeno espaço, pouco maior que uma sala de escritório, mal sabe o tamanho da história que se espreme entre os livros. A trajetória do lugar se confunde com a vida de seu fundador, Gualberto Costa, que afirma que a loja só existe até hoje graças aos laços de amizade que foram sendo construídos ao longo do tempo.

Profissão: Gualberto Costa

Formado em arquitetura no Mackenzie, hoje Gualberto se define como desenhista e comerciante. Sua relação com os quadrinhos começou enquanto estudava para o vestibular em um cursinho, durante as “aulas monótonas feito monólogos”, como afirma Gual. Aos poucos, começou a se dedicar aos quadrinhos e nessa época ganhou o seu primeiro concurso de desenhos. Estimulado por Luciano Ramos, seu professor e também jurado do concurso, Gual começou a se interessar cada vez mais pela área das ilustrações.

Após algumas experiências como desenhista, surgiu o convite para a participação em um quadro no TV Mix, programa da TV Gazeta que entrou no ar em 1987. Gualberto Costa e seu amigo, o também quadrinhista José Alberto Lovetro (JAL), participavam comentando a respeito do mundo dos quadrinhos. Sobre essa experiência, Gualberto afirma: “A partir de então começamos a criar um público. Até o momento não existia internet, por isso logo que terminava o programa as pessoas ligavam para fazer perguntas ou mandavam cartas. Havia também os comentários que recebíamos na rua. A ligação com o espectador era muito boa e resolvemos fazer algo que nos juntasse ainda mais ao público, e então surge o troféu HQ Mix”.

O troféu HQ Mix, considerado o Oscar dos quadrinhos brasileiros, foi criado então em 1988 também pela dupla Gual e Jal. A proposta era unir os quadrinhos a seu público, consolidado a partir do quadro no TV Mix. A votação era aberta aos interessados por esta área e as urnas ficavam na sede da TV Gazeta, localizada na Av. Paulista. A premiação homenageava roteiristas, caricaturistas, cartunistas, além de outras categorias.

Embora o quadro na TV Mix tenha terminado no ano seguinte, o troféu continuou a ser entregue e Gualberto continuou construindo novos planos em sua história em quadrinhos.

“A Menor Livraria do Mundo”

Já com um público formado, Gualberto começou a sentir a necessidade de reunir todo o material que tinha em mãos e começou a sonhar com a construção de uma livraria no futuro. “O Walter Mancini perguntou o que eu tinha de projeto de vida, aí eu falei da livraria. Ele brigou comigo, porque não se faz projeto para quando se ficar velho. Eu havia ajudado na decoração de um dos restaurantes dele, o Jeremias, o Bar. E então ele me ofereceu o espaço no local que passou a se chamar “A Menor Livraria do Mundo”.

O espaço no Jeremias, O Bar tinha apenas uma prateleira e, após o cliente escolher a comida e o vinho, era oferecido um cardápio de livros com cerca de 300 exemplares. A maneira criativa de exibir as publicações foi um grande sucesso, e logo a pequena livraria começou a realizar também festas de lançamento e a reunir um público mais alternativo para o restaurante. Entretanto, A Menor Livraria do Mundo começou a ficar pequena demais, principalmente para aqueles que gostavam de quadrinhos e não se importavam com o apelo gastronômico: “Quando estava no Jeremias, o Bar, surgiu a vontade de criar uma livraria, um espaço para reunir o pessoal, pois eu sabia que eles iriam. Foi uma grande brincadeira, mas eu queria ter uma livraria mesmo.” Gual começou então a procurar um novo espaço, perto da rua Avanhandava, que conseguisse manter a alma da Menor Livraria do Mundo, mas que também oferecesse um espaço independente para reunir os mais diversos artistas.

A HQ Mix na Praça Roosevelt

A nova sede da Menor Livraria do Mundo, agora com o nome de HQ Mix, foi encontrada por Gual na praça Roosevelt, a uma quadra do Jeremias, o Bar.

Ao mudar para a Praça Roosevelt, a HQ Mix passou a conviver não só com um público voltado aos quadrinhos, mas também com os mais diversos artistas, boêmios e principalmente, as pessoas ligadas ao teatro. Logo nos primeiros dias, o público insone começou a encher a loja mais que os pedestres diurnos, mudando algumas idéias de Gualberto: “Eu não tinha ideia de abrir uma livraria e ela se tornar boêmia. A intenção era trabalhar de dia e à noite eu iria para casa, ler, descansar, ver a lição dos meus filhos. Mas acontece que nós viemos para um local onde de manhã e à tarde eu só fico dando informações sobre, por exemplo, onde fica a rua Augusta. Então abrimos às três da tarde, por causa da relação com as editoras, mas é à noite que tudo acontece”.

O próprio Gualberto assume que, ao mudar de endereço, a livraria conseguiu não só aumentar o seu acervo, mas também estabelecer um espaço para reunir todos os amigos que conheceu durante a vida “A área de quadrinhos é quase uma missão para mim. Eu não ganho muito dinheiro com isso, mas eu ganho muitos amigos. Quando abri a livraria na praça, tudo mundo veio pra cá e então acabou se tornando um ponto de desenhistas.”

A jornalista Lídia Basoli, que mora em Marília, é um exemplo deste público fiel. Lívia afirma que visita a livraria sempre que vem a São Paulo, não só para encontrar os amigos, mas também pelas parcerias que realiza aqui: “A gente faz essa revista Café Espacial, e muita gente que trabalha na revista é colaborador ou também frequenta aqui, porque são nossos amigos”. Lívia ressalta ainda que as atrações que a própria Praça Roosevelt oferece é um outro fator que a incentiva ainda mais a frequentar o local pois, segundo ela, este contato com a arte é importante não só para quem trabalha com a área de cultura, mas para o enriquecimento pessoal.

Outro fã da HQ Mix como espaço cultural é o ilustrador Lese Pierre. Ele afirma que é um admirador da livraria pois encontra não só publicações ligadas aos quadrinhos, mas também uma variedade de livros que podem lhe trazer inspiração. “Toda vez que eu venho no evento da HQmix eu conheço alguém. Então eu acho que hoje em dia eu já conheço tudo mundo, é quase um núcleo.”, afirma Pierre.

Para Gualberto, essa troca de experiência é um dos maiores diferenciais de seu estabelecimento: “Quem chegar aqui provavelmente vai encontrar um desenhista batendo papo, e essa troca de informações entre as gerações é bem legal. Você encontra desde o pessoal da velha guarda até os jovens que estão começando, fazendo os quadrinhos independentes”. Gualberto acrescenta ainda que a integração entre o público e o artista é natural: “A gente trata o artista internacional, às vezes lança livros aqui, do mesmo jeito que o menino de 15 anos, que está começando e tendo a sua primeira experiência. Acho que este é o segredo também, de ser o espaço bem democrático, onde todos se sentem bem”.

Segundo o ilustrador Lese Pierre, essa dinâmica é que faz com que ele se aproxime cada vez mais da livraria: “Eu acabei criando um vínculo com a HQmix de tanto participar, frequentar, o que acabou influenciando o meu trabalho”, afirma. E, entre livros, conversas e eventos é que a HQ Mix vai, ao longo do tempo, se consolidando como um espaço que merece ser visitado e reconhecido pelo público em geral.

O futuro

Mas as ideias de Gualberto não pararam com a criação do troféu e a ampliação da livraria e o Projeto “Teishouku Preto” é um exemplo.  Trata-se de nada mais que uma compilação de quadrinhos na qual cada artista escreve sua parte de uma história, e depois outro desenhista continuará a mesma.

O “Teishouku Preto” começou na Virada Cultural de 2006 e continua percorrendo estados, garimpando desenhistas locais e colecionando estilos a cada traçado. Já participaram do projeto mais de 360 artistas, entre eles Jaguar, Angeli, Laerte e outros nomes consagrados dos quadrinhos. O intuito do HQ Mix é reunir as mais variadas gerações de artistas em uma única obra.

Gualberto e sua esposa e sócia, Dani Batista, agora planejam modernizar o empreendimento e multiplicar o ponto de encontro, mas sem perder a característica fundamental do lugar: “Não queremos ser uma grande empresa, queremos ser uma pequena empresa, mas fazer um bom negócio. Queremos uma livraria com identidade e em que as pessoas possam interagir”, traceja para o futuro o engenhoso Gualberto.

*Texto produzido por Celeste Garcia, Fernanda Alcântara e Luciana Reis

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