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O Sagrado Coração do Paissandu

Eu vou falar uma coisa pra vocês: não tirem foto aqui não, porque senão vocês vão levar o demônio pra casa. Silêncio. Foi assim que um dos presentes na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu, se dirigiu a nós enquanto fotografávamos o local. O fato inusitado é um dos muitos exemplos que podem ser enumerados, o local já é um deles: frente ao Cinema Pornô e à galeria do rock, principal ponto de encontro de diversas “tribos” da cidade.

O cenário não poderia influenciar mais a igreja e suas atividades religiosas. Aos sábados não há missas e a porta fica trancada, isso porque é o dia de maior movimento na Galeria.  Freqüentemente, grupos de punks e da torcida organizada do São Paulo—  Independente —ficam em frente ao local.

Os muros são pichados com símbolos e palavras subversivas. “Punk” é uma das poucas que podem ser identificadas nas paredes, o que não deixa de ser incomum quando comparado a outros templos religiosos.

A segurança da igreja para protegê-la de atos violentos, tanto por parte de punks quanto de outros grupos, é também algo notável. Todas as janelas contêm grades na parte de dentro e os cofres para donativos não são simples caixas, mas locais reforçados de puro ferro.

Mais diferenças logo nos chamam a atenção, como a caixa de sugestões rabiscada a caneta com números indecifráveis, as paredes e o teto decorados com tal diversidade de cores opacas que contrastam com o comum cenário sóbrio das igrejas católicas. Há presença de grande quantidade de santos: Santa Edwiges, São Benedito, Santo Antônio, Nossa Senhora da Rosa Mística, Santo Expedito, São Francisco de Assis, além da imagem de Jesus (que em um dos seus detalhes, aparece com cabelos semelhantes a mechas naturais).

O público presente na missa das 18 horas durante os dias de semana é variado, formado por pessoas idosas – que ainda são maioria- mas também há jovens que rezam fervorosamente. Um dos presentes rezava mais alto que o próprio padre. São pessoas simples, algumas estavam de passagem, entram para fazer sua prece, ficam alguns minutos, depois saem. Entram alguns mendigos, que em meio à vida de dificuldades e descrenças encontram um momento de fé, seja dentro da igreja ou na porta de entrada, como se aquele mundo ainda estivesse limitado, um tanto proibido para eles. Foi de um deles que ouvimos a frase inicial.

Em meio a esse clima marginal com as pichações e rabiscos, um piano e alguns lustres dão um aspecto clássico que remetem a usual ornamentação das igrejas.

A Igreja está localizada no Paissandu desde 1906, quando foi deslocada da Praça Antônio Prado devido a expansão do comércio na região. A Irmandade Nossa Senhora dos Homens Pretos existe desde 1711, construída pelos negros proibidos de ir às igrejas dos brancos para que pudessem freqüentar os atos religiosos.

Ainda sobre os fiéis, Maria Angélica (uma das coordenadoras do local) explica: “Como é uma igreja no centro, as que mais freqüentam são pessoas que trabalham na região. As atividades da irmandade acontecem só no final de semana”. Quando o assunto é referente ao público da Galeria do Rock, Maria é categórica: “Nós temos uma série de mendigos na praça além do pessoal da Galeria do Rock, que são assim, uma coisa fora de série. Então é aqui que eles vêm se reunir, na porta aqui da Igreja e por isso a porta é fechada”.

O número de assaltos é alarmante. “Nós já vimos não só brigas como mortes. Tem de tudo aqui: drogas, baixaria, tudo. Há quatro anos estamos nos esforçando para acabar com isso. Nosso plano é cercar a igreja com grades, já pedimos para a prefeitura, mas entra ano e sai ano, continua do mesmo jeito porque o Kassab prefere tirar outdoors, que é mais fácil do que fechar uma igreja. Então fica complicado. É assalto a cada dois minutos.”

O local que representa a resistência dos negros, hoje também pode ser visto como ambiente de contrastes, um ponto de alívio em meio ao movimentado centro da cidade. Tanto espiritualmente como socialmente, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos promove a aproximação de pessoas de diferentes realidades sociais unidas apenas pela fé.

**Texto de Luciana Reis

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