Arquivo da tag: #imigrantes

“O amor no peito pela pátria distante”

Perfil

Paulino de Aguiar Ferrara, 51, é dificilmente o que um observador poderia chamar de um imigrante típico. À primeira vista, Ferrara pareceu-me um brasileiro absolutamente integrado no ambiente urbano do bairro da Liberdade. No fundo, ele é. Ferrara, no entanto, não pode ser considerado um brasileiro nato, já que nasceu na cidade de Porto, em Portugal.

Sua família viveu naquela cidade costeira lusitana desde que ele tem memória. Seus bisavós eram de Porto, seus avós eram de Porto, seus pais se conheceram e se casaram em Porto. Paulino nasceu em 16 de julho de 1957. A vida de sua família resumia-se basicamente ao comércio local, vendendo produtos frescos da agricultura periférica da cidade.

A rotina da família começou a mudar em 1933, quando subiu ao poder o economista António de Oliveira Salazar, futuro ditador de Portugal. Conforme Salazar foi tomando os poderes do governo, a família de Ferrara começou a se sentir pressionada pelas mudanças observadas no ambiente português. Quando as perseguições começaram, seu avô Pedro Ferrara decidiu que era hora de deixar a Europa.

Paulino chegou no Brasil com 8 anos, em 1941. Para ele, chegar ao Brasil lhe proporcionou um sentimento de expectativa que ele voltou a experienciar poucas vezes. Com seu português ainda carregado de sotaque, o garoto se estabeleceu no reduto português da Liberdade.

Ainda menino, cursou ensino fundamental e médio no sistema público da cidade de São Paulo, também na região da Liberdade. Ao terminar os ensinos regulares, Ferrara permaneceu trabalhando junto de sua família no negócio de roupas por alguns poucos anos, até que decidiu cursar direito.

O garoto conseguiu ingressar no curso da Universidade de São Paulo. Depois de gastar seis longos anos estudando, nos quais ele diz ter se forçado bastante, Ferrara finalmente se tornou bacharel em direito, e desde então exerce a função. Ele diz gostar do que faz, apesar de todo o aborrecimento burocrático que alguns de seus clientes o trazem.

Em 1959, Paulino conheceu sua futura esposa durante uma visita a um de seus clientes. Enquanto ele esperava para se atendido, uma mulher bem vestida entrou a sala de espera onde ele estava e o ordenou que entrasse. Essa secretária aparentemente distante seria a mulher com a qual o imigrante casaria dois anos mais tarde. Ferrara teve com ela dois filhos, chamados Pedro (em homenagem ao avô) e Mateus.

Hoje, mal se pode dizer que ele é português. Quando o vi pela primeira vez, gritando para apoiar a seleção de Portugal enquanto esta jogava contra a Suiça no telão da Casa de Portugal, confesso que o homem me pareceu mais alguém que havia bebido demais. Não fosse pelo fato de ele ter me puxado para torcer com ele, eu jamais saberia que ele é português.

Questionado sobre o que diferenciava os portugueses dos brasileiros no nosso país, ele foi curto e enfático em sua resposta: as pessoas que amamos definem de que pátria somos. Independente dos costumes, o que faz Ferrara se sentir português, fora as viagens anuais que faz para aquele país, é a forte ligação emocional que ele mantém pelos parentes e amigos em Portugal.

“Ser português no Brasil é nutrir o amor no peito pela pátria distante”, ele me disse em um de seus momentos mais alcoólicos. Apesar do tom arrastado com que falou isso, a frase resume bem, mais do que o que é ser português, o que é ser um imigrante.

1 comentário

Arquivado em Centro de São Paulo