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Arte que é para todos

Não há muito que possa despertar o tédio em uma pessoa que se aventure pelo Centro Cultural São Paulo. Quem sai pelo metrô Vergueiro se depara com uma surpresa já no corredor que leva à portaria: depois de subir por uma grande rampa de pedra, com a Avenida 23 de Maio de um lado e um pequeno jardim do outro, o visitante vai conseguir ver não só o saguão do Centro, mas também um teatro no andar de baixo, as bilheterias, os escritórios da administração, um espaço para lanches, uma praça, um jardim, uma biblioteca e um atelier. Tudo isso sem dar mais que cinco passos de um lado para o outro. O espaço, somente com paredes de vidro e cheio de aberturas para os andares de baixo, corre de longe para os olhos, e é possível ver até mesmo o espaço de recreação no outro fim do edifício de 300 mil metros quadrados.

Cada espaço guarda uma surpresa na arquitetura: quem entrar pelo atelier, por exemplo, verá que ele não é mais do que quatro grandes corredores de concreto fixados no alto de uma grande biblioteca, cada um em uma parede, ligados ao andar de baixo por corredores inclinados que se cruzam e contorcem no meio do caminho. O jardim, por sua vez, pode dar direto em um grande fosso com um teatro no fundo ou em um mirador no telhado, depois de uma escada espiral. No subsolo, uma série de anfiteatros se conecta com corredores, iluminados por pequenas lâmpadas olho-de-gato. Seguindo para a biblioteca, pode-se encontrar o improvável: um pequeno palco com parede de vidro no meio do caminho.

É assim que o Centro Cultural segue seu dia-a-dia dos eventos: misturando os espaços, levando o público de um lugar para o outro sem que ele perceba e apresentando artes de todos os tipos, origens e naturezas. A coisa mais comum por ali é a pessoa parar para ver e ouvir algo que nem mesmo sabia que estava ali, mas que conheceu enquanto ia para outro lado.

A arquitetura incomum do centro foi alvo de muita discussão no período de construção, logo no início dos anos 80. Durante uma entrevista feita pela própria administração do Centro com o arquiteto Luis Telles, ele explicou como se sentia quando apresentou o projeto final: “Ficávamos de prontidão para ver com o que iam implicar. Não que fôssemos subversivos, os outros é que eram retrógrados”. Na época, a construção complicada do edifício, que envolvia concreto, aço, vidro, acrílico e até mesmo tecido, foi entendida como uma grande ostentação por alguns setores da mídia. O que era para ser uma mera biblioteca de repente se tornara um projeto monumental.

Apesar de toda a crítica, a parceria de Telles com o colega de profissão Eurico Prado Lopes acabou sendo aprovada pelo então prefeito Reynaldo de Barros. Assim, desde 1982, este vendo sendo o palco das mais variadas apresentações, que abrangem desde uma gibiteca até complicadíssimas seções de psicodrama.

“Há uma preocupação em mostrar coisas que as pessoas normalmente não veriam em outros lugares por aqui”, explicou a pianista Eliana Monteiro da Silva, que já fez diversos recitais no Centro. Ela, como muitos outros artistas que aparecem por ali, defende que o Centro deve ser um local em que o público, desde o mais carente de informação até o mais erudito, consiga conhecer novas obras.

Curiosamente, durante seus espetáculos para o Centro, há momentos em que Eliana pára sua música para explicar como ela foi escrita, porque ela apareceu ou, quem sabe, até mesmo uma fofoca sobre a vida particular da compositora Clara Schumann. “Eles adoram. O público que vem aqui já está acostumado com este tipo de abordagem, com essa preocupação em explicar em que contexto a obra foi feita.”

Saindo dos anfiteatros, subindo as escadas e seguindo para a frente do Centro, chega-se à curadoria. É ali, naquele espaço restrito ao público, mas que pode ser perfeitamente observado por um dos muitos fossos na borda dos corredores, que este tipo de atitude é pensada. O curador de música Francisco Coelho, responsável pela programação de música clássica, defende fervorosamente a filosofia do Centro: “A gente não costuma fazer exigências para os artistas se apresentarem por aqui, tanto na área de música clássica quanto qualquer outra. O que a gente procura é revelar novos talentos e trazer artistas consagrados para cá”. Juliano Gentile, também curador, prefere defender outro fator: “Este é um espaço público, nós não temos essa preocupação com a renda. A nossa preocupação é de, cada vez mais, aumentar o público que assiste os espetáculos, dar valor a essas coisas, que são de interesse artístico mas que não tem espaço.”

Uma filosofia aberta e um espaço tão amplo como o do Centro Cultural São Paulo são dois dos melhores ingredientes para o inesperado. Quem se propuser a visitá-lo de vez em quando verá dias em que aparece por lá uma peça shakespeariana. Nas quintas-feiras, a chance maior é de que encontrem por lá uma orquestra de percussão, batendo com vontade em tambores, pratos e pedais para um público bem diferente do primeiro. Às vezes, filas imensas aparecem, avançam pelo saguão e vão embora pela rampa de entrada: é um show de música popular brasileira que está para começar por ali.

Seja erudito, rebelde ou popular, o fato é que o Centro é um lugar que não escolhe seu público. É o público que escolhe o Centro. No dia da inauguração, há mais de duas décadas, o então secretário da cultura Mário Chamie dizia o que queria: “Um espaço para toda essa igualdade cultural brasileira, que é feita justamente das diferenças”. E parece que acertou em cheio.

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