Arquivo do mês: maio 2010

Quando as luzes se apagam

A história do CineArte – um dos corações do Paissandu
As luzes estavam apagadas. Não havia o que esconder e nem havia forma de ocultar. Tudo o que era ilícito transbordava naquela enorme sala. Sob um piso levemente inclinado, quase não havia como tropeçar nos poucos degraus que descemos. As cadeiras eram de madeira, antigas, estofadas em couro vermelho, muitas delas estavam quebradas. Havia pequenas luzes vermelhas iluminando o chão e mesmo a placa com os dizeres “é proibido fumar” não amenizava o forte odor de nicotina no cinema.
Mulher é um ser raro naquele ambiente. A primeira que encontramos foi a bilheteira do cinema: “Vocês cinco?!”, perguntou ela admirada com o bando de estudantes interessados em investir no cinemão.
Ao entrarmos, um homem negro vestido de preto, tão surpreso quanto a mulher do guichê, mostrou-se logo prestativo: “se alguém mexer com vocês, me chamem que eu resolvo a situação rapidinho”. Seu gesto até poderia demonstrar atenção conosco, mas era visível que ele estava preocupado mesmo em evitar qualquer situação que pudesse levar ao envolvimento da polícia.

Sentadas, quietas, atentas. Ouvimos, além dos gemidos dos atores, o arfar discreto e constante de alguns espectadores. A maioria do público é composta por homens entre seus 40 e 50 anos, além de michês. Um deles, com um leque verde-escuro nas mãos, balançava graciosamente o adereço de forma convidativa.

Alguns dos espectadores assistiam de pé com as mãos escondidas no casaco, viam a cena, saíam, voltavam. Outros ficavam sentados, com a cabeça encostada e as pernas abertas, qualquer posição era válida desde facilitasse o movimento dos braços. Ninguém trocava uma palavra, mas língua dos olhos era a que mais fluía. Uma olhadela cruzada e mais demorada parecia ser o convite mútuo e mudo para “dialogarem” a sós.
O recinto tranpirava apreensão e hostilidade, parecia que temiam serem pegos com a mão na cumbuca.
Quando nos sentamos próximas ao corredor, um dos espectadores se aproximou de nós e murmurou um “olá” sedutor; aparentava ser alto e corpulento, tinha um ar intimidador que dava medo. Logo após a monossilábica frase, ele seguiu em frente e sentou-se atrás de nós: pernas abertas, corpo esparramado pela cadeira, um olhar focado que parecia estar em tudo, menos na tela.
Após o incidente, decidimos que o melhor era visitarmos outros ambientes. As últimas mulheres que vimos no local foram duas velhinhas; elas conversavam animadamente na segunda fileira da sala e o que mais impressionava não eram suas idades (por volta de 60 ou 65 anos), mas sim a desenvoltura que a conversa fluía, como se os gemidos do filme fossem meros ruídos intrusos.

Ao sair da sala, pudemos ver dois banheiros: um quebrado, outro aberto, ambos masculinos. As portas de cada boxe eram de madeira avermelhada e muito pequenas, qualquer movimento privado ali poderia ser publicamente visto. Não havia tampa nos vasos, mas em compensação, bolor e ferrugem eram presença intensa em cada sanitário. Com registros de descarga carcomidos pela idade e gotejando água, a única pia onde era possível lavar as mãos estava imunda. Sobre os azulejos brancos e (nem todos bem colados), estava um mictório grande de ferro, além de anúncios de michê espalhados em todo lugar. E, bem no meio do teto, uma breve frase conseguiu condensar bem toda a aura do local com meras três palavras: quero sua cueca.

Conhecendo os fundos, entramos em um corredor estreito que dava para uma ante-sala diferente. Nela, havia várias cabines nas quais seu interior podia ser visto pelas pequenas janelas ao lado de cada porta. Cada cabine apresentava um quarto com paredes e teto pretos, a iluminação era amarela e fraca, uma fila de homens se endireitava na ante-sala aguardando sua vez. Por dentro, era possível ver dois homens em cada cômodo, mas apesar da discreta movimentação, dava para perceber que algo mais acontecia ali.

Quem vê hoje o CineArt Palácio, não imagina seu grandioso passado. A construção de paredes em formato de parábola, piso e forro estrategicamente calculados permitiam a melhor disposição do som: este foi o primeiro cinema construido segundo as normas da arquitetura moderna por Rino Lévi, um dos maiores ícones da arquitetura brasileira.

Inaugurado em 1936, o antigo Ufa-Palácio havia nascido para ser majestoso: localizado em uma das vias mais atribuladas de São Paulo — a Avenida São João—, o cinema era caracterizado por um público maciço que ocupava as mais de 3119 poltronas.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa feita em 1955 sobre os cinemas da cidade, constatou que o número de ingressos vendidos nas bilheterias era quase 20 vezes maior do que a população total da cidade. Ou seja, era provável que paulistano encarasse o escurinho do cinema, em média, mais de 20 vezes por ano.
A partir de novembro de 1939 o cinema recebe novo batismo passando a se chamar Art Palácio, inspirado em uma antiga distribuidora européia denominada Art-Filmes.
Com o declínio do mercado dos filmes europeus, o cinema especializa-se em filmes populares e depois eróticos, e assim como a maioria dos cinemas da época, mantém sua programação vinculada a esse segmento, com 10 filmes inéditos por apenas 7 reais.

Hoje, o CineArt Palácio parece estar em seu ponto máximo de decadência. Ao entrarmos, sentimos um ambiente pesado, formado por um público que não parece satisfeito nem consigo mesmo, que se despoja de suas máscaras sociais e que tenta descarregar suas angústias da forma mais animalesca que o homem pode encontrar.

*Texto de Celeste Garcia, colaboradora do SempreSP

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O verde da Zona Leste

O Parque do Carmo, o maior parque da cidade de São Paulo e um dos maiores da região metropolitana, é até hoje ignorado por muitos paulistanos que desconhecem um universo paralelo chamado Zona Leste. No meu caso, que moro a poucas quadras do lugar (aproximadamente 20 minutos a pé), ir ao Parque do Carmo sempre foi uma obrigação moral quando criança. Afinal, que combinação poderia ser mais perfeita do que balanços, gangorras, trilhas e cachorro-quente?

Vista para o lago, aonde nadam cisnes e patos

A história da região se funde com a do parque, que originalmente  foi uma fazenda do século XIX. Hoje, o bosque conta com aproximadamente 6 mil árvores, e além de estacionamento, anfiteatro natural, aparelhos de ginástica (barras), campos de futebol, ciclovia, pista para correr, playgrounds, quiosques e churrasqueiras.

Para os amantes da natureza, o parque oferece ainda contato com a rica fauna da Mata Atlântica, entre mergulhões, pica-paus, andorinhas e sabiás, além de mamíferos como gambás, preguiça-de-três-dedos, macacos e veados-catingueiros. Por outro lado, a mata ciliar, eucaliptal e brejos são parte da flora do Parque do Carmo, que apresenta ainda um cafezal, um pomar e o famoso bosque de cerejeiras, celebrado até hoje pela comunidade nipônica que vive na região de Itaquera.

Vista das Cerejeiras, no Parque do Carmo - Zona Leste

Na tradicional Festa das Cerejeiras, as pessoas praticam um ritual conhecido como “hanami”, que implica em sentar sob as cerejeiras e contemplá-las durante um bom período. O evento é realizado através da Federação de Sakura e Ipê do Brasil, e em agosto acontecerá a 32ª edição da festa. Neste último sábado (08/05), o Parque do Carmo recebeu 60 cerejeiras, resultando em um total de 800 novas árvores plantadas desde abril. O Parque do Carmo possui hoje mais de 1.500 exemplares das especies yukiwari, himalaia e okinawa.

Contudo, quem espera do parque uma estrutura semelhante a do Ibirapuera pode se decepcionar. Seja por sua imensa extensão ou pela má administração, o fato é que o parque hoje tem muitos brinquedos quebrados, a grama não é muito bem cuidada e o sua ampla áreas fechadas e inexploradas é um perigo para quem gosta de percorrer trilhas. Mas não se assuste, pois o Parque do Carmo ainda é um dos mais incríveis da cidade, não só por suas atrações multiculturais, mas também para você, paulistano, que deseja apenas respirar um pouquinho de ar fresco nesta imensa metrópole. Já para mim, o parque sempre será o local aonde eu posso encontrar a menina-moleca que se perdeu em trabalhos e tarefas.

O Parque do Carmo está localizado na Avenida Afonso de Sampaio e Souza, 951.

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Se essa rua fosse minha…

Quanto vale uma rua em São Paulo? Walter Mancini, senhor absoluto de uma

Localize-se

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ruazinha no centro da cidade, sabe a resposta. Dono de 5 restaurantes e de uma galeria de artes na Avanhandava, ele foi responsável por toda a reforma da rua, da troca do asfalto às luzes que dão um ar europeu ao lugar.

Em cada um de seus restaurantes, uma peculiaridade: enquanto a tradicional Famiglia Mancini conserva a aparência das tradicionais cantinas italianas, o Walter Mancini Ristoranti encanta com o seu tom sofisticado e com um bar de dar inveja a qualquer outro estabelecimento. Há ainda a Pizzaria Famiglia Mancini, sempre com suas filas enormes, o Jeremias, O Bar, inspirado no personagem de Ziraldo e com quadrinhos por toda a parede e a Central 22, que vai além das lanchonetes convencionais, complementando a diversidade gastronômica da rua Avanhandava.

Mas se você ficou com água na boca, um aviso: prepare o bolso. Todas essas delícias culinárias em ambientes incríveis não vão sair por menos de R$ 100,00 – fora couvert, estacionamento e etc, afinal não nos esqueçamos que ainda estamos no centro da cidade, em uma das regiões mais perigosas de São Paulo.

Mas não na rua dos Mancini, que parece ter construído seu cantinho de paraíso, para a sorte e, aos mesmo tempo, pesar dos moradores da ruazinha: “Eles trazem beleza e segurança pra cá, mas é como se eu morasse de favor no meu apartamento, não tenho direito nem de estacionar o carro”, relembra Maria da Penha, moradora de um prédio no final da Avanhandava.

Entre os prós e contras, o fato é que Walter Mancini criou uma rua à parte de todo o centro, transformando-a em mais do que uma referência gastronômica, um ponto turístico.

E sinceramente, vale a pena conferir. 😉

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